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ESPAÇO TRANSPORTÁVEL


Projeto: Espaço Transportável

Curador: Luís Ribeiro

Ano: 2005 a 2007

Local: Jornal Notícias de Guimarães

Espaço Transportável é uma página do Jornal Notícias de Guimarães comissariada por Luís Ribeiro, que convida um artista por mês a intervir artisticamente numa página.

Max Fernandes

“S/ Título”

‘Semiologia sobre papel’

Julho de 2005

(página publicada em branco)

Para iniciar o projecto, decidi convidar o jovem artista vimaranense Max Fernandes, ligado a projectos como o ‘Espaço provisório’, 2003, na rua de Sto. António, e ao Laboratório das Artes, em Guimarães. O trabalho deste artista prende-se, essencialmente, pelo uso da linguagem codificada, abarcando conceitos como os de “casa”, “espaço” e “campo”. No seu último trabalho “Intervenção sobre o mapa da cidade”, inserido na exposição ’16 salas, 1 espaço’, pode ver-se o uso de linguagem rigorosa, do GPS, através das coordenadas da Longitude e Latitude que marcam um local [neste caso foi o Laboratório das Artes].

Em “S/Título”, ‘Semiologia sobre papel’, continuamos a assistir a este fenómeno de construção de realidades. Semiologia, que deriva do grego semîon, refere-se à ciência dos signos, que neste caso não passam de uma folha em branco. No entanto, é-nos dada a legenda ‘museológica’ do trabalho, ironizando o caráter informativo e comunicativo tanto de um trabalho artístico como o de um jornal.

Isabel Carvalho

‘SUSY’

Tinta s/ papel

Setembro de 2005

Luís Ribeiro

“A Arte é Comunicação”

Desenho Digital

Outubro de 2005

Na primeira edição do ‘Espaço Transportável’, Max Fernandes apresentou-nos uma página em branco, atribuindo-lhe o título “S/Título”, ‘Semiologia sobre papel’, convidando o leitor a assistir ao fenómeno de construção de realidades, ironizando o carácter informativo e comunicativo tanto de um trabalho artístico como o de um jornal. De seguida, Isabel Carvalho mostra-nos um texto escrito por uma prostituta explorando a problemática feminista, atribuindo ao leitor do jornal, de certa forma, a oportunidade de enquadrar um texto (que numa situação normal poderia ser visto como uma mera notícia informativa) num patamar artístico.

Na terceira edição do projecto, o Notícias de Guimarães recebe o comissário do ‘Espaço Transportável’, Luís Ribeiro, Licenciado pela Escola Superior Artística do Porto, pólo de Guimarães. Membro criador do ‘Espaço Provisório’ em 2003, situado numa loja comercial na rua de Sto. António, em Guimarães, dedicado a intervenções artísticas, e também do Laboratório das Artes, projecto iniciado em 2004 numa casa desabitada da rua de Camões, na mesma cidade.

O trabalho deste artista para o Jornal pretende reflectir sobre o objecto artístico e a forma como ele é enquadrado e interpretado, as relações existentes entre artista/ objecto/ contemplador e a finalidade de qualquer obra – a Comunicação. O facto do suporte ser um Jornal, num primeiro ponto, irá alterar inevitavelmente a visão do observador, funcionando como premissa a qualquer raciocínio sobre o trabalho apresentado. Após este primeiro momento importa analisar a imagem, a mensagem e os objectivos para os quais a obra foi produzida; absorvemos a imagem enquanto obra plástica, contendo valores formais e estéticos do domínio da arte, afastando-se da ideia de notícia ou de um anúncio publicitário. O valor atribuído ao trabalho é feito individualmente, podendo ser compreendido ou não, válido ou rejeitado, sendo a interpretação fundamental para a sustentação do objecto artístico enquanto mensagem comunicativa. Assim, o Contemplador atribui valores independentes à obra, reflexões externas à imagem, conceptualismos que se sobrepõem ao próprio trabalho.

Luís Ribeiro, Outubro 2005

Mauro Cerqueira

‘Lucy In Sky With Diamonds’

Grafite sobre papel

Novembro de 2005

As máquinas de uma Sociedade Medíocre

Por Luís Ribeiro

Ao longo dos nossos dias, e sempre acompanhados pelos meios de informação, absorvemos imagens (estáticas ou em movimento) transmitidos pelos mais variados meios de comunicação. O fácil acesso, o imediatismo, a apatia cerebral e a rotina de certos hábitos diários, transformam-nos em máquinas de “sucção massiva”. A televisão e imprensa sensacionalistas viradas para o “show” crescem a uma velocidade alarmante, colocando em risco todo o tipo de filtros gerados por nós e pela nossa educação (a maioria das vezes de baixo nível). Na última década temos assistido, também, ao enorme aumento do consumo da Internet e dos telemóveis. A facilidade com que os manuseamos dão-nos maior conforto e autonomia mas caminhamos constantemente sob a corda bamba, em que a queda pode ser tanto ou maior quanto expansão destes meios.

Este mês no ‘Espaço Transportável’, Mauro Cerqueira (Guimarães 1982) apresenta-nos “Lucy In Sky With Diamonds” (com as iniciais LSD), remetendo o tema da banda britânica “The Beatles” para as drogas, reflectindo sobre o modo como somos “dopados” pelos media, funcionando como estimulante, aludindo à constante apatia da sociedade viciada, sendo necessária “uma nova revolução, uma que transforme radicalmente os modos de pensar e actuar”, afirma Mauro.

Este jovem artista frequenta actualmente o 3º ano de Pintura na Escola Superior Artística do porto, Pólo de Guimarães, sendo de realçar o seu papel dinamizador na organização de eventos artísticos, nomeadamente a ESAPARTE 08 e a exposição “Corpo a Corpo” que reuniu trabalhos de alunos e professores da sua escola superior. Este ano ingressou também no grupo de artistas que representaram Portugal no projecto GARBa no sul de Itália e participou na exposição “Aranha.Máquina.Giz”, que reuniu trabalhos de André Sousa, Mauro Cerqueira e João Giz.

“Lucy In Sky With Diamonds” de Mauro Cerqueira é uma mensagem simbólica, metafórica e principalmente carregada de ironia. As letras LSD aparecem emolduradas por algo próximo de um painel publicitário, deixando cair gotas sob a bandeira pirata, representativa da sociedade contemporânea, que vomita toda a informação consumida através da televisão e todos os vícios recorrentes – sexo, droga, álcool – construindo um circulo fechado sob si mesmo, rematado pela frase “Sociedade Medíocre”, o expoente máximo que este artista problematiza.

José Emílio Barbosa

S/ Título

Fotografia digital manipulada

Dezembro de 2005

A edição de Dezembro do ‘Espaço Transportável’ recebe José Emílio Barbosa, Licenciado em Pintura na Escola Superior Artística do Porto, Pólo de Guimarães. Jovem artista nascido em Guimarães em 1979, destaca-se como membro fundador do Laboratório das Artes e do seu percurso artístico importa referir a participação no Simpósio "Künstlerwerkgemeinschaft" – Kaiserslautern – Alemanha, as exposições “16 salas, 1 espaço” e “27 artistas uma casa a demolir” no Laboratório das Artes; “Projecto Quartel”, Rua das Flores – Porto; “E se insisto naquilo que canta”- Central Eléctrica do Freixo – Porto; “Mulheres” - Museu Alberto Sampaio, Guimarães e a exposição na Galeria Gomes Alves “Ocupação – Quotidiano invadido”.

Para este projecto no Notícias de Guimarães, José Emílio Barbosa apresenta-nos uma fotografia digital manipulada, imagem captada de uma obra sua concebida no Laboratório das Artes. Este muro construído em tijolo e cimento teve como objectivo inicial a desconstrução da configuração da sala de entrada daquele espaço, obrigando o visitante a alterar o seu percurso. Mais tarde, e durante a exposição, aquele abjecto foi alvo de várias observações e comentários por parte de entidades camarárias, profissionais que tratam da reordenação do centro histórico de Guimarães. Foi ordenado ao artista a demolição do muro mas, após várias conversas e visitas ao Laboratório, demonstrou que afinal aquela parede não tinha qualquer função prática, apenas estética e conceptual, que a tornavam uma obra de arte e como tal não fazia sentido esta ser destruída.

Na última exposição que encerrou a casa da rua de Camões (“27 artistas uma casa a demolir”), José Emílio colocou o muro à venda, ironizando o papel da obra de arte, contrariando o sentido da própria exposição que pressupunha a destruição de todos os trabalho inseridos naquela habitação. No ‘Espaço Transportável’ o mesmo artista reforça esta ideia de obra continuada, fazendo passar a imagem de que a peça ainda lá está mesmo após várias contradições, desfocando a fotografia atribuindo-lhe uma carga surreal, do sonho que continua, de algo que ficou e irá ficar na memória de todos os transeuntes daquele espaço artístico que em muito influenciou e modificou mentalidades.

Luís Ribeiro, Dezembro 2005

António de Sousa

"Playtime"

Fotografia

Janeiro de 2006

A sociedade actual é alvo de várias reflexões teóricas e práticas, por meros cidadãos, por intelectuais e, cada vez mais, por diversos artistas. Os mecanismos políticos e sociais dos ‘pseudo-sistemas’ organizacionais servem de plataforma crítica e muitas vezes irónica.

O ‘Espaço Transportável’ recebe António de Sousa, que tem evidenciado uma atitude iconoclasta em relação aos mais diversos discursos, do artístico ao político, passando pelo institucional. António de Sousa (Matosinhos, 1966) vive e trabalha no Porto, cidade onde finalizou a Licenciatura em Pintura em 1994 na Faculdade de Belas Artes. Tem realizado diversas exposições e projectos colectivos, das quais se podem destacar “Bienal de Arte Jovem” - integrando a representação da Fundação de Serralves, Fórum da Maia, 1995; “II Bienal de Arte de Famalicão - Em torno de Camilo”, Fundação Cupertino de Miranda, Famalicão, 1997; “O Império Contra Ataca”, Galeria ZDB, Lisboa; La Capella-Institut de Cultura de Barcelona, Barcelona, 1998; “Arte Portuguesa dos Anos 90 na Colecção da Fundação de Serralves”, Casa da Cultura, Paredes, 1999; “321 m2 – Trabalhos de uma Colecção Particular”, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Coimbra, 2001; “Proximidades e Acessos”, Culturgest, Porto, 2004.

O trabalho “Playtime” que António de Sousa nos apresenta, pretende reflectir ironicamente sobre as fragilidades e contradições inerentes aos discursos social e politicamente empenhados. Como diz o artista, “o brinquedo que aparece na imagem, remete-nos para a actual sociedade do entretenimento e para o seu consequente défice de cidadania esclarecida.” A ironia aparece aqui como uma possível resolução do conflito inerente, muitas das vezes, à teoria e prática.

Luís Ribeiro, Janeiro 2006

Carla Cruz e Ângelo Ferreira de Sousa

Europa

Desenho para recorte e fotografias

Fevereiro de 2006

“Recorta, cola num cartão e procura a tua Europa”. É esta a mensagem que Carla Cruz (1977, vive e trabalha no Porto) e Ângelo Ferreira de Sousa (1975, vive e trabalha em Barcelona) pretendem que os leitores do jornal captem. Partindo da ideia que não há, para a maioria dos europeus, um sentimento verdadeiro de serem europeus, estes dois artistas dão início a um projecto que pretende expandir-se a diferentes pessoas e locais, alertando o público para a problemática do patriotismo alargado à escala de um continente. Para isso pedem que as pessoas dos vários países pelos quais este projecto vai passar, se fotografem com um cartão no qual diz EUROPA, a pedirem boleia para chegarem a esse sítio que, enquadrado nesta perspectiva artística (e com fortes características politicas e sociais), se situa num patamar quase utópico. Para que tudo isto funcione, os artistas pedem que enviem as fotos para euro_pa@megamail.pt.

Carla Cruz formou-se em Escultura na Faculdade de Belas Artes do Porto, tendo, posteriormente, feito o Mestrado em Artes Plásticas, Piet Zwart Roterdão. Do seu percurso artístico sobressaem as exposições ‘just a walk, Rennes, França’, ‘All My Independent Women, Galeria SMS, Guimarães’, ‘Estou a Trabalhar, Galeria Plumba, Porto’, em 2005. ‘Blood 4 oil, Salão Olímpico, Porto’, em 2004. ‘The inauthentic Male, Bruce Gallery, Roterdão, Holanda’, ‘Act 2 - do you want to manipulate for a change, Roterdão - Holanda, Genebra –Suiça’, em 2003. Foi, também, coordenadora do grupo português da residência de jovens artistas em Montescaglioso, Itália, nos anos de 2004 e 2005.

Ângelo Ferreira de Sousa formou-se também na FBAUP em Pintura. Do seu percurso enquanto artista destacam-se as exposições ‘Harto_Espacio – Public Art em Montevideo, Uruguai’ e ‘Especular lo Próximo - Can Felipa - Barcelona, Espanha’, em 2005. ‘Arenas – Duende Studios, Roterdão’, ‘A Lingua - Galaxi Art space - Rio de Janeiro, Brasil’ e ‘Projecto Quartel, Porto’, em 2004.

‘Serveis d'inteligencia, Exploraciones - La Capella – Barcelona, Espanha’, ‘En sus trece - ADN art Gallery – Barcelona, Espanha’ e ‘Solstitium, Villa Arson - Nice, França’, em 2003.

Luís Ribeiro, Fevereiro de 2006

Jorge Fernandes

"Uma família feliz"

Apropriação de desenho infaltil

Março de 2006

A edição de Março do Espaço Transportável acolhe o artista Jorge Fernandes com um desenho da autoria de Inês Fernandes, com 5 anos, sobrinha do artista.

Há muito que a Arte Contemporânea tem assumido contornos maioritariamente dirigidos aos problemas actuais das sociedades, dos conflitos entre nações ao feminismo, da homossexualidade ao direito à liberdade de expressão, da paisagem urbana como geradora de indivíduos à crítica constante de questões políticas. A expressão artística, e basta assistirmos aos filmes deste ano nomeados para os Óscares, dirige-se cada vez mais para questões de ordem pessoal, que pode afectar qualquer um em qualquer lugar.

No entanto, Jorge Fernandes parece, aparentemente, fugir a estas questões, adoptando no seu percurso artístico uma outra ordem de momentos pessoais, com fortes motivos de intimidade, como foram os casos do vídeo apresentado na exposição “Os Limites de um Espaço” no Laboratório das Artes, de uma ecografia da mesma sobrinha que agora desenhou a família em que está inserida, ou nos desenhos de cicatrizes nas paredes rachadas no mesmo espaço de exposição em Guimarães, na mostra “27 artistas, uma casa a demolir”. O ‘família feliz’, conceito explorado pela grande maioria dos cidadãos de todo o mundo, é aqui retratado, o pai, a mãe, a Inês e a criança que ainda está para nascer. Este desenho poderia ter sido recolhido a uma criança qualquer pertencente a uma família qualquer, pois os padrões familiares e sociais são comuns, mas o importante é o que esta imagem simboliza para o artista.

Por outro lado, Jorge Fernandes levanta questões ligadas à autoria, não sendo este desenho criado por si, mas torna-o pessoal ao admiti-lo como uma obra sua (o público só se apercebe disso caso leia este texto). E isso torna-se evidente em todas as exposições em que o artista participa, pois este nega o facto de ser artista, ou melhor, nega o facto de ser um artista através de um nome, uma marca que carimba toda e qualquer obra produzida. Jorge Fernandes nunca usou o mesmo nome, variando com os vários sobrenomes que compõe o seu nome completo, e o caso volta a repetir-se no Espaço Transportável, rejeitando incluir o seu nome na ficha técnica da obra.

Jorge Fernandes frequenta actualmente o último ano do Curso de Desenho na Escola Superior Artística do Porto – Extensão de Guimarães, e tem sido um elemento dinamizador da Arte Contemporânea em Guimarães, ao pertencer ao Colectivo ‘Laboratório as Artes’ e, anteriormente, foi um dos elementos criadores do ‘Espaço Provisório’ (local de exposição numa loja comercial da cidade). Tem vindo a realizar diversas exposições colectivas desde 1997.

Luís Ribeiro, Março 2006

Ricardo Quaresma

“Se o cão é seu a merda é sua”

Texto sobre papel

Abril de 2006

Nuno Florêncio

“S/ título”

Imagem digital

Maio de 2006

A ausência de espaço. É desta forma que melhor se pode descrever a vida de um criminoso retido num estabelecimento prisional. A clausura é um dos principais pontos que Nuno Florêncio explora nas suas produções, tendo este vindo a realizar várias exposições desde 1997, sendo de realçar “27 artistas uma casa a demolir” e “16 salas 1 espaço”, no Laboratório das Artes, a participação no Projecto “Quartel” e a Exposição Colectiva de Artes Plásticas, na Galeria Glória Vaz, em Felgueiras.

Nuno Florêncio (Valpaços, 1975) construiu para o Espaço Transportável uma imagem digital com uma repetição de recortes figurativos em notas de 200€. Com isto, podemos retirar várias leituras, mas o facto das figuras se apresentarem de frente e de perfil remetem-nos directamente para as fotografias dos prisioneiros, (fazendo lembrar as serigrafias de Andy Warhol), quase que passando despercebido pelo facto das notas sobressaírem, sobrepondo-se à própria figura, criando uma ausência de identidade (notória noutros trabalhos do artista, como o caso das ampliações das impressões digitais ou da íris dos olhos). O número como elemento identificativo faz parte do nosso quotidiano, enclausurando-nos num sistema muito complexo que é a sociedade contemporânea, descrito aqui através dos números das notas.

Luís Ribeiro, Maio de 2006

José Almeida Pereira

Elementos emprestados

Tinta tipográfica sobre papel de jornal

Junho de 2006

(Imagem brevemente)

A edição de Junho do ‘Espaço Transportável’ recebe José Almeida Pereira, Guimarães 1979. Licenciado em Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, tem vindo a desenvolver diversas exposições, tendo inclusive recebido alguns prémios, nomeadamente no âmbito da exposição colectiva - “OUTROS LUGARES”, em 2004 e 1º PRÉMIO ROTHSCHILD DE PINTURA, em 2003. Das suas exposições realçam as colectivas “a dizer” no Espaço “PêssegoPráSemana” e a participação no projecto “Quartel – Arte Trabalho Revolução”, ambas na cidade do Porto, assim como a participação na XIII Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira.

Para o Notícias de Guimarães, José Pereira, e à semelhança de outros trabalhos do artista, joga com a visão do autor, transpondo algumas das palavras do texto da página seguinte (como se de uma transparência se tratasse), criando assim uma frase e um efeito visual próximo da poesia visual.

“Podia facilmente pensar-se que o domínio autónomo da arte só tem de comum com o mundo exterior elementos emprestados, que entram num contexto totalmente modificado. Apesar de tudo, a trivialidade da história das ideias é incontestável, de maneira que a evolução dos procedimentos artísticos, tais como eles são quase sempre englobados no conceito de estilo, corresponde à trivialidade social. Mesmo a obra de arte mais sublime adopta uma posição determinada em relação à realidade empírica, ao mesmo tempo que se subtrai ao seu sortilégio, não de uma vez por todas, mas sempre concretamente e de modo inconscientemente polémico contra a sua situação a respeito do momento histórico.”*

Citação incluída pelo artista; *ADORNO, Theodor W., Teoria Estética, arte & comunicação, pág. 16, edições 70

Joana da Conceição

Vida quotidiana

Aguarela e caneta sobre papel

Setembro de 2006

Joana da Conceição tem vindo a desenvolver diversas exposições onde explora questões ligadas ao ambiente, ao comportamento humano, ao desenvolvimento tecnológico e à vida quotidiana citadina. Nesse sentido, Joana desenvolveu para o ‘Espaço Transportável’ um esquema do tipo “faça você mesmo” de um vaso improvisado com materiais recicláveis. Mostra-nos como podemos criar uma mini-estufa, seguindo métodos tradicionais descritos em revistas, livros, blogs ou sites da especialidade, mas, no entanto, o facto do vaso ser um globo transporta-nos para uma outra realidade. Joana da Conceição venceu o concurso Anteciparte 2005 com uma pintura, em pequeno formato, de uma planta [de uma cidade] que, pelas características cromáticas, nos levavam a crer que aquela imagem era uma junção de uma planta [vegetal] com uma outra [de uma cidade]. As ruas, os rios, os canais, tudo podia ser ambas as coisas. Mais tarde, na exposição “Cais de Embarque” inserido no projecto Teleférico, ou mesmo na exposição “Austrália”, patente na Sala de Espera, Joana mostra-nos diferentes vasos feitos com globos terrestres, suportando várias espécies de plantas, onde o antagonismo capital-manufacturado e o capital-natural são uma constante.

João Marçal

“Substituição”

Fotomontagem digital, 2006

O Espaço Transportável recebe nesta edição João Marçal, Santarém 1980, um artista que tem vindo a desenvolver nos últimos anos um dinâmico percurso artístico, expondo em vários espaços informais como o PêssegoPráSemana ou Salão Olímpico no Porto, e o Laboratório das Artes em Guimarães, assim como nalgumas galerias que têm tido um papel importante na divulgação de jovens artistas em Portugal.

Para este jornal, João Marçal criou “Substituição” que tem como ponto de partida uma reprodução da obra de Marcel Broodthaers “Ma Collection”. Marçal tem presente nos seus trabalhos preocupações ligadas ao conceito de imagem fotográfica, de congelamento e da própria organização cromática inerente à captação do real. Como o título sugere, o trabalho consiste na substituição da fotografia do poeta Stéphane Mallarmé (que Broodthaers usa na peça original) por uma do jogador de futebol Luís Figo. Como é recorrente na obra de Broodthaers, as legendas fig.1”, “fig.A”, “fig.2”, “fig.0”, “fig.12” etc, geralmente com um sentido de homogeneização e de subversão das imagens e do seu significado, aqui, “substituição” é a nova fotografia que remete para uma leitura diferente e até mais literal da legenda, que facilmente pode ser entendida como “figo” e não como “fig.0”. Como diz o artista, «no caso de Ma Collection a legenda parece querer algo mais do que a subversão, uma vez que Broodthaers considera o poeta Mallarmé o fundador da arte contemporânea e por isso lhe atribui a legenda: “figura zero”, conferindo um novo sentido (ou duplo sentido) à imagem.

Manuel Santos Maia

alheava - passeio

Março de 2007

Manuel Santos Maia nasceu em Nampula, Moçambique, em 1970. Actualmente vive e trabalha no Porto, cidade onde tem vindo a protagonizar algumas das cenas mais dinâmicas do panorama artístico dessa cidade. A designação que o artista atribui aos seus projectos, “alheava”, enuncia algumas reflexões e práticas conceptuais relacionadas com o seu contexto histórico, pois «“Alheava” é a conjugação do verbo “alhear” no pretérito imperfeito. Esta utilização do tempo verbal remete para o passado – este, por sua vez, alude à memória enquanto matéria prima da identidade individual e colectiva.» A realidade explorada pelo artista é a condição pós-colonial, reflectida, por um lado, nas experiências de vida dos portugueses que habitaram as várias colónias africanas no período anterior à revolução de Abril e, por outro, no percurso vivencial que estes desenvolveram na trajectória de descolonização.

Em algumas exposições de Manuel Santos Maia, podemos assistir a vários pontos essenciais no seu trabalho, tais como a reflexão sobre o silêncio, da vida ocultada, do esquecimento e da ignorância implícita nessas vidas que outrora demarcaram um momento importante. Para o Espaço Transportável, o artista reuniu, como normalmente faz noutras mostras do seu trabalho, uma série de textos noticiosos assim como imagens de personagens/ edifícios, configurando mais um momento de uma investigação em curso. “Quando utilizo objectos de família faço uma representação. Estes objectos têm uma biografia, uma vida própria, remetem-nos para outros lugares, outras culturas. Vieram de Moçambique para Portugal, mas aqui ganham outros significados, outros valores.” Esta frase do artista parece-me suficientemente clara no que respeita à significação dos objectos recolhidos, uma espécie de ‘colecção’ privada, da vida privada, que passam de um momento íntimo para uma realidade do domínio público. O avô do artista, o Senhor Maia, está no centro da problemática, onde uma notícia de jornal traça o seu percurso histórico e lamenta a sua morte. Entre as palavras que lembram os seus feitos, é realçado a sua actividade profissional como construtor de casas em Nampula, Moçambique, seguindo-se uma narrativa crítica da exportação de pensamentos ocidentais para África, um modelo modernista aplicado na arquitectura nas colónias portuguesas.

Luís Ribeiro, Março de 2007

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