LUÍS RIBEIRO
ESPINHOS DE FOGO QUE ME FEREM
Título: Espinhos de fogo que me ferem
Autor: Luís Ribeiro
Curadoria: Raquel Guerra
Ano: 2025
Local: Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra
Produção: Colégio das Artes da Universidade de Coimbra
Texto: Raquel Guerra
Créditos fotográficos: Luís Ribeiro e João Costa
Espinhos de fogo que nos ferem
Há uma antecipação do fim que paira sobre as obras de Luís Ribeiro. Uma espera suspensa, melancólica, como a das personagens de Melancolia, o filme de Lars von Trier, onde tudo decorre sob a sombra iminente do colapso. O que vemos, ou talvez mais justamente, o que sentimos ao contemplar esta exposição, é o mesmo tipo de suspensão: personagens que sabem que algo se aproxima, mas não o conseguem nomear ou prever com exatidão. Uma proximidade incerta, mas inegável. É nesse estado de tensão — entre o agora e o que está por vir — que os desenhos e os vídeos de Luís Ribeiro se inscrevem.
Espinhos de fogo que me ferem apresenta uma série de paisagens interiores que ardem silenciosamente. São paisagens negras, consumidas por um fogo que não se vê, mas se intui. Um fogo que não destrói de forma ruidosa, mas que corrói por dentro. Um lento ardido, como no título de uma das obras: Um lento ardido pontuado a fogo. Este fogo não é literal — é emocional, existencial, simbólico. É o ardor da consciência de um fim inevitável, de um colapso que não tem data marcada, mas que é certo.
A melancolia, aqui, não é apenas tristeza. É uma forma de lucidez. É o sentimento de quem vê com nitidez excessiva a fragilidade das coisas. De quem, como nas insónias, não consegue afastar os pensamentos que queimam no escuro. Insónias, luzes, vozes, trevas — interiores parece sintetizar esse estado de espírito: uma mente que não descansa, assolada por imagens, sons e ausências que habitam o seu próprio interior.
O trabalho de Luís Ribeiro sempre habitou esse lugar de tensão. Lembro-me do vídeo Different ways to distract you (2008), onde a distração parece ser a única forma de sobreviver à ameaça constante. Uma ameaça não explicitada, mas sempre presente. A distração surge, paradoxalmente, como uma forma de resistência, mas também de rendição. As obras desta exposição operam da mesma maneira: seduzem com a beleza do traço, com o onirismo das composições, mas ao mesmo tempo deixam-nos inquietos, perturbados, incapazes de escapar ao desconforto que geram.
Respiro como a raiz sombria dos astros — título de outro dos desenhos — alude, talvez, a uma conexão profunda com o cosmos, mas também à solidão dessa ligação. É como se estivéssemos ligados às estrelas, mas por raízes que se afundam na escuridão. Há nestas imagens um desejo de transcendência que convive com a certeza do fim. Um impulso para o sonho, como em A substância do sonho? Uma evocação do planeta que, como em Melancolia, caminha inexoravelmente para o choque com a Terra? O sonho, aqui, não é fuga. É o lugar onde se revela o real em toda a sua crueza.
Nestes desenhos, Luís Ribeiro parece trabalhar com a matéria do invisível. Aquilo que queima, mas não vemos. Aquilo que se aproxima, mas não conseguimos medir. Há neles uma poética da iminência. Um tempo que se estica, como se o instante anterior à catástrofe durasse para sempre. Uma eternidade de espera. De inquietação. De beleza trágica.
Espinhos de fogo que me ferem é, assim, uma exposição sobre o desassossego. Sobre a consciência de um fim que nos ronda. Mas é também uma meditação visual sobre a melancolia como forma de ver — e sentir — o mundo. Através do negro dos desenhos, Luís Ribeiro dá forma àquilo que escapa à linguagem. Um universo onde o tempo já não é cronológico, mas emocional. Onde arder é a única forma de estar.
Raquel Guerra
Maio de 2025


Um lento ardido pontuado a fogo
Tinta-da-china e pastel seco sobre papel Fabriano 300g, 240 x 150 cm
2025
Vista geral da exposição
2025


E depois disseram: continuo vivo.
Tinta-da-china, spray acrílico e pastel seco sobre papel Canson 300g,
100 x 75 cm, 2024
Wake up
Tinta-da-china e spray acrílico sobre papel
50 x 70 cm, 2024



Das cinzas renascem outras imagens
Tinta-da-china e pastel seco sobre papel Fabriano 300g, sobre
estrutura de madeira, 150 x 150 cm, 2025
No time
Carvão, pastel seco e spray acrílico sobre papel Canson 300g,
100 x 75 cm, 2023

Respiro como a raiz sombria dos astros
Tinta-da-china, grafite e spray acrílico e pastel seco sobre papel Canson 300g
Conjunto de quatro desenhos com 100 x 75 cm cada
2025

Geometria do fogo
Tinta-da-china, pastel seco e spray acrílico sobre papel, 70 x 50 cm cada
2023


A cicatriz de outra imagem
Tinta-da-china e pastel seco sobre papel Canson 300g
Conjunto de seis desenhos com 29,7 x 42 cm cada
2025


A substância do sonho
Tinta-da-china, spray acrílico e carvão sobre papel Fabriano 300g, 240 x 150 cm
2025

Insónias, luzes, vozes, trevas - interiores
Tinta-da-china e aguarela sobre papel Fabriano 300g, 240 x 150 cm
2025
