LUÍS RIBEIRO
ENTRE O CÉU E O MAR TEREMOS SEMPRE A MONTANHA
Título: Entre o céu e o mar teremos sempre a montanha
Autor: Luís Ribeiro
Curadoria: CIAJG
Ano: 2022-23
Local: CIAJG - Centro Internacional das Artes José de Guimarães
Organização: gnration e CIAJG - Centro Internacional das Artes José de Guimarães
A rivalidade entre Braga e Guimarães é histórica. Ao longo do Século XIX houve todo um historial de acontecimentos, a todos os níveis, em que sempre que alguma medida política beneficiava Braga, os de Guimarães não aceitavam, num permanente jogo de afirmação-negação de um lado e do outro. Neste sentido, esta exposição pretende explorar a geografia destes dois territórios, um ensaio visual e plástico que procura aproximar Braga e Guimarães.
“Entre o céu e o mar teremos sempre a montanha”, vídeo realizado em agosto na residência artística “Laboratórios de Verão 2022” (gnration, Braga), e que dá nome à exposição, é a peça central da instalação. Este vídeo foi filmado entre as montanhas do Santuário do Bom Jesus, em Braga, e a Montanha da Penha, em Guimarães, captando planos de filmagem afastados dos tradicionais postais turísticos. Procurou-se uma estética que potencie no espectador um questionamento em relação às noções de território, de fronteira, de paisagem e de corpo-fantasma presentes na nossa memória. Este trabalho explora a geografia dos dois territórios, com o objetivo de diluir as fronteiras físicas e imaginárias que os caracterizam, criando uma imagética intensa focada em alguns pontos simbólicos comuns nas duas montanhas (teleférico/elevador, espaços e símbolos religiosos, locais de (des)encontro familiar ou amoroso…), abalados pelo som forte criado originalmente pelos Haarvöl e que provoca no espectador uma sensação de iminência.
Para esta instalação, desenvolveu-se uma investigação a partir de alguns cadernos e objetos arqueológicos trazidos pela esposa do autodidata Albano Belino (n. 1863-1906, Gouveia) de Braga para a Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, após a sua morte. Belino desenvolveu uma importante investigação do tempo proto-histórico, das ruínas ou “cidades mortas”, assim como uma relevante pesquisa acerca da fundação de Bracara Augusta, tendo colecionado alguns objetos importantes de vários períodos históricos, como é o caso do “Altar de Semelhe”, uma peça emblemática de Braga, a primeira referência gravada na pedra aos bracaraugustani, a mais antiga memória da urbe, e que dá origem ao atual nome da cidade. Este pedestal foi o ponto de partida para a criação de duas obras: o desenho a grafite “Comer-te o coração”, feito a partir de um pormenor de uma fotomontagem de Jeff Wall, de um guerreiro morto que olha fascinado para a sua orelha cortada, aqui substituída pelo coração; e o vídeo “O coração transforma-se em chama”, uma mão que tenta decifrar, acarinhar ou violentar este velho “coração” de Braga que agora habita em Guimarães.
Os desenhos “Ver a Penha a arder” e “Pedra e cinzas” foram realizados a partir de fotografias captadas na Penha e são apresentados aqui numa relação direta com os objetos da coleção SMS. Os desenhos “Merda” e “Abafar o grito” inspiram-se na pichação da parede à entrada de Braga e que serviu de mote para a criação do vídeo “Entre o céu e o mar teremos sempre a montanha”, numa referência à permanente afirmação-negação de um território em relação ao outro. Estes desenhos feitos com tinta-da-china e spray procuram uma ligação entre duas formas de memória, com o fundo fragmentado em várias camadas que remetem para as vanguardas da pintura no início do século XX, como o cubismo analítico, e a sua anulação pela presença do spray que introduz a palavra ou o X (que tanto afirma como anula), numa relação com a memória recente, vernacular, da pichação que pretende dar voz e anular o silêncio das paredes brancas.
Luís Ribeiro